678 ANA RITA GANDRA DA CUNHA GONÇALVES
texto de Helena Pato em Antifascista da Resistência
"Militante da extrema-esquerda, cidadã antifascista de grande dignidade, modéstia e coragem, entregou-se à luta clandestina, integrada na FAP por convicção.
Viveu 8 meses na clandestinidade, guardiã de uma casa da organização e com trabalho de impressão numa tipografia.
Terá sido, na década de 60, a única mulher na clandestinidade, que não era do PCP. Seguiu o seu companheiro, Rui D ´Espiney e foi presa com ele. Condenada em Tribunal Plenário, ficou dois anos em Caxias.
Ana Rita Gandra Gonçalves nasceu a 21 de Dezembro de 1945, em Lisboa, filha de Nuno da Cunha Gonçalves e de Ângela Guimarães da Cunha Gonçalves. Nascida numa família oposicionista [por parte da mãe], Ana Rita Gandra Gonçalves começou cedo a envolver-se nas actividades estudantis contra o regime.
No 5º ano do liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, juntou-se a uma colega na organização de uma estrutura que batizaram como “JIOP – Jovens Independentes de Oposição Portuguesa”. Em breve, vai pertencer à Pró-Associação dos liceus e militar no PCP.
Aos 17 anos, o namoro com Rui D’Espiney, militante do PCP já em ruptura com o partido, alimenta-lhe dúvidas ideológicas, que ela própria tinha. [Na sua visão, a ausência de acções armadas era um erro do Partido Comunista].
Em 1963, com o despontar das correntes maoistas na Europa, alguns militantes do Partido Comunista tinham passado a defender a luta armada contra o regime. É neste quadro que, quando Rui D´Espiney decide exilar-se em Paris, Rita parte com ele, por convicção política e por amor.
Em 1964, partem para a Argélia, com o objectivo de se juntarem aos campos de treino da guerrilha de Humberto Delgado. Já em Argel, conhecem João Pulido Valente e estabelecem contacto com os primeiros escritos de Francisco Martins Rodrigues. Em 1964, Francisco Martins Rodrigues, Rui d´Espiney e João Pulido Valente criam, com outros dissidentes do PCP, a Frente de Acção Popular (FAP) e o Comité Marxista-Leninista Português. Rui d’Espiney, na altura exilado em Argel, segundo uma entrevista que deu à RTP após o 25 de Abril, propunha-se «formar uma frente para levar a cabo a luta armada e um comité para fazer fermentar as ideias daqueles que se consideravam comunistas de extrema-esquerda. A FAP seria a organização que iria, de algum modo, responder ao imperativo de resposta armada à repressão ditatorial e do fascismo».
Rita volta para Portugal, doente, e aguarda o marido, para se lhe juntar na clandestinidade, já que o seu objectivo, desde sempre, seria vir para o interior e lutar pelo fim da Ditadura. Em Junho de 1965, Rui d´Espiney regressa ao País, vindo da Argélia, e desenvolve então actividades com Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente.
Depois de vários meses na clandestinidade e com o envolvimento em várias acções de propaganda, a polícia política detecta-os, aproxima-se deles e o cerco aperta-se. [Rita sempre afirmou, desde então, que não chegou a participar nas acções violentas, dedicando-se sobretudo a imprimir propaganda da Frente de Acção Popular]. Ocorrera a execução de um infiltrado da PIDE na FAP, responsável pela detenção de João Pulido Valente e, em Janeiro de 1966, R d´E e FMR foram detidos pela PIDE e submetidos a um tratamento brutal. Rita é encontrada pela PIDE em casa de amigos onde se tinham refugiado, quando constataram que estavam vigiados pela PIDE. Rui tinha sido preso no mesmo dia, sem que Rita soubesse.
Presa a 14 de Fevereiro de 1966 e interrogada, Ana Rita Gandra Gonçalves é levada para Caxias. Durante o interrogatório na António Maria Cardoso, em que é submetida à tortura do sono, Rita Gandra não fala. Ao ser detida, ainda não sabia se o marido tinha conseguido fugir, mas a PIDE fez questão de trazê-lo, então, à sua presença, para a pressionar a falar. Rui D´Espiney tinha sofrido tais violências durante os interrogatórios, que Rita só o reconheceu pelas mãos (tal o estado desfigurado em que este se encontrava, tantas eram as nódoas negras e o sangue que tinha na cara). A informação sobre a tortura do jovem D´Espiney desencadeou na Universidade manifestações estudantis contra a brutalidade da polícia.
Em Abril de 1967, Rita Gandra foi levada para o Hospital da Ordem Terceira (junto à sede da PIDE) e, pouco tempo depois, novamente enviada para Caxias, onde permaneceu até ao julgamento, em 1968.
Em Abril de1966 fora constituída arguida num processo, cujo julgamento em Tribunal Plenário só ocorreu em Março de 1968. Rita não "falara", mas a sua acusação decorreu de testemunhos de companheiros. Condenada na suspensão de direitos políticos por cinco anos e a uma pena de 20 meses de prisão, já expiada com a detenção sofrida (de mais de dois anos), é libertada imediatamente. Durante o tempo na cadeia de Caxias, os encontros com o marido, Rui D’Espiney, aconteciam uma vez por ano, durante uma hora, sempre vigiados pela PIDE. De resto, o casal contactava por carta, uma vez por semana.
Rui D’ Espiney, Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente ficaram presos até 27 de Abril de 1974. Rita Gandra estava em Londres a acompanhar a filha doente quando soube que uma revolução eclodira em Portugal e que o marido iria ser libertado. A filha Catarina, que havia sido criada pelos Avós (pais do Rui) até à libertação da Mãe, acaba por morrer no mesmo dia em que o pai é libertado [Rui D´ Espiney não a vira desde que fora preso]. D’ Espiney sempre confirmou a sua militância política [«O mais que disse à PIDE foi que era guerrilheiro»], mas nunca assumiu que puxara o gatilho. Rui D ´Espiney morre de cancro em 2016 (ver biografia citada em “Fontes”). Nessa ocasião, a Câmara Municipal de Setúbal apresentou, em reunião pública ordinária, um voto de pesar no qual lamentou o falecimento do sociólogo Rui d’Espiney, fundador e dirigente do Instituto das Comunidades Educativas, que se envolvia activamente “em inúmeros projectos de promoção da democracia participativa e dando espaço e voz aos direitos das minorias”